Sesc Avenida Paulista – Praça (térreo)
Duas únicas apresentações:
Sexta-feira, 28/6 e sábado, 29/6 – às 19h30
Duração aproximada: 90 minutos
Obs.: Ingressos disponíveis somente nas bilheterias das unidades
“Plínio Marcos deu às duas personagens um cunho brasileiro, a verdade do nosso submundo, desde o corte psicológico à linguagem crua. O diálogo, como um torniquete, espreme a situação até o desfecho trágico, preparado exaustivamente para que se tornasse verossímil.”
Sábato Magaldi – 5/12/1966
Pelo que me consta, Décio de Almeida Prado e Sábato Magaldi apontaram que para escrever DOIS PERDIDOS NUMA NOITE SUJA, o dramaturgo santista Plínio Marcos (1933/1999) teria se inspirado no conto “Il Terrore di Roma”, que faz parte do livro “Racconti Romani”, de Alberto Moravia. Na peça brasileira, Paco (Michel Pereira, idealizador do projeto) e Tonho (Lucas Rosário) dividem um quartinho precário e tentam sobreviver trabalhando como carregadores num mercadão.
Na atual montagem vemos que são entregadores delivery, que saem para o trampo com suas bicicletas mais bolsa-bag. Seriam talvez estudantes universitários, vindos da periferia, que morariam em alguma república estudantil, recursos para comprovar a atualidade do texto.
Também a personagem de Tonho é aqui um rapaz negro, fato que traria outras ilações para as desavenças entre ambos. Quanto ao texto em si, o diretor José Fernando Peixoto de Azevedo optou por manter-se fiel ao original. Tonho deixou a casa dos pais numa cidadezinha do interior, que não oferecia empregos, para tentar a sorte na capital. Continua estudando e confiante que, apesar dos obstáculos, vai se dar bem e conseguir um bom emprego. Seu maior problema é que seus sapatos estão em estado lastimável e furados, o que o impossibilita de se apresentar decentemente nas eventuais entrevistas.
Seria interessante contabilizar o número de vezes em que a palavra sapatos é proferida (ou em gíria, pisante). O calçado é uma necessidade real/objetiva, que vai adquirindo uma conotação do inatingível, mas não de um impossível etéreo e sim do desejo de uma ínfima ascensão socioeconômica para viver com alguma dignidade.
Já no caso de Paco os indícios são que viveu uma vida “comendo o pão que o diabo amassou”. Para compensar destila sadismo e violência; embora haja lampejos (sobretudo no final) de carência, precisa menosprezar e ridicularizar o outro para sentir-se seguro e superior. Há flutuações em seu caráter, está permanentemente para “o que der e vier”, o que possibilita ao excelente intérprete uma gama significativamente abrangente de alternativas.
Tonho tem uma personalidade sólida e objetivos muito claros e faz de tudo para atingir o seu norte; sendo assim o espectro de criatividade para o ator é consideravelmente menor, salvo nas cenas finais em que abdica da contenção e surpreende o parceiro e a plateia com suas insuspeitadss atitudes.
Como nas suas bem -sucedidas montagens anteriores, Peixoto de Azevedo mantém aqui uma câmera que registra ao vivo as ações, que são projetadas em 2 monitores (favorecendo os closes dos artistas), além de sequências já previamente gravadas. As interferências musicais também ao vivo tendem a intensificar o clima ríspido das relações. Com o intuito talvez de permitir algum distanciamento, algumas poucas cenas são repetidas. Obviamente o espaço acanhado e a proximidade do espectador com o visceral calor dos intérpretes faculta um voyeurístico mergulho nas tensões das personagens.
Desde o começo, o clima sombrio instaura-se, pois Paco aparece calçando novos sapatos de que o outro tanto necessita. Como acontece na obra de Plínio Marcos e em suas figuras marginalizadas e desprotegidas não há espaço para solidariedade.
É preciso revidar as agressões da existência com uma crueldade e virulência ainda maiores. Olhando ao nosso redor, tenderia a acreditar que o dramaturgo teria concluído a redação da peça ainda ontem e não em 1966… Espetáculo obrigatório!
NOTA:
O texto acima foi escrito durante a primeira temporada no saudoso Teatro Aliança Francesa.
Luiz Gonzaga Fernandes