A autorização da produção e comercialização de radioisótopos para a pesquisa e uso médicos por empresas privadas, proposta pela Proposta de Emenda à Constituição nº 517-A, de 2010, do Senado Federal, trará graves consequências ao atendimento da população e também ao setor empresarial.
A democratização do acesso à Medicina Nuclear e o aumento de seu alcance depende de múltiplos fatores, a saber:
– Fortalecimento do modelo público de produção de radioisótopos e radiofármacos no país (Institutos da CNEN e RMB);
– Formação de profissionais habilitados para a prática: médicos, físicos médicos, tecnólogos, biomédicos e farmacêuticos;
– Aumento no número de clínicas e hospitais habilitados, principalmente nas regiões Norte e Nordeste do País;
– Aumento do número de procedimentos cobertos pela tabela SUS.
A abertura do mercado de radiofármacos de meia-vida longa no Brasil pode ocorrer se, e somente se, antes forem desenvolvidos e implementados mecanismos de fortalecimento da produção pública resultando em maior democratização da Medicina Nuclear. Somente dessa forma, a produção pública e privada podem coexistir numa saudável concorrência de mercado. A sofisticação necessária à fabricação torna esses produtos naturalmente vulneráveis a qualquer impacto sobre a oferta impondo risco concreto de desabastecimento. Prescindir de uma estratégia pública de produção seria ignorar os riscos apresentados pelas mudanças recentes na cadeia produtiva global desses medicamentos, como por exemplo o encerramento das atividades do reator canadense, e contar com uma solidariedade internacional deficiente em questões sanitárias como ficou comprovado pelas barreiras de mercado impostas na pandemia de Covid-19.
Radiofármacos são MEDICAMENTOS e, como tal, devem ter seus preços máximos regulados pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED). Assim, é falacioso o argumento de que a regulação de preços seria feita pela produção pública. A ausência de estratégias de uso do poder de compra da saúde tem gerado déficit de cerca de 12 bilhões/ano da balança comercial do Complexo Industrial da Saúde (CEIS).
A atuação do SUS e de instituições públicas como a FIOCRUZ e o Instituto Butantã comprovam que a área de saúde, quando tratada de forma estratégica pelo Estado, apresenta desempenhos que excedem os da iniciativa privada em contextos em que esta não está preparada, como no caso da pandemia de Covid-19. E justamente este é o caso da Medicina Nuclear: caso as crises orçamentárias do passado tivessem ocorrido hipoteticamente para empresas privadas estas certamente teriam fechado suas portas acarretando consequências muito mais graves das percebidas no passado recente.
É preciso implementar um novo modelo de gestão de produção pública que permita avançar no volume produzido, possibilite a realização de um maior número de procedimentos pelo SUS, gerar de novos produtos e que responda também às oportunidades que serão geradas a partir da implementação do Reator Multipropósito Brasileiro – RMB. A aprovação da PEC 517/2010, nos termos atuais, ocasionará uma maior dependência tecnológica do País. Há claro risco de uma troca do monopólio público para um oligopólio privado, formado por empresas nacionais e multinacionais. Isso já acontece no caso do fornecimento de FDG, radiofármaco de meia vida curta. Como resultado da quebra do monopólio de produção de radionuclídeos de meia vida curta, hoje existem 11 cíclotrons no país. Entretanto, 9 deles pertencem a somente 3 empresas particulares.
Os efeitos deletérios esperados da aprovação desta PEC são:
– Elevação dos preços dos procedimentos de Medicina Nuclear no país, decorrentes do repasse dos custos dos insumos importados. Isto já aconteceu durante a pandemia de covid-19: a ANVISA permitiu a excepcionalidade da importação de geradores de 99Mo/99mTc. Entretanto, o preço praticado pela iniciativa privada foi três vezes superior ao praticado pelo IPEN;
– Rápida degradação da infraestrutura existente nos Institutos de Pesquisa da CNEN e a consequente paralisação da produção pública: Importante destacar que o registro definitivo de um radiofármaco na ANVISA por uma empresa privada causaria de imediato a paralisação da produção pública, devido às normas da ANVISA em vigor.
– Extinção da pesquisa e desenvolvimento de novos radiofármacos e a consequente dependência de tecnologia externa: o desenvolvimento sempre esteve ligado à demanda de produção pública, o que garantiu a formação de recursos humanos em níveis de mestrado e doutorado nos diferentes institutos da CNEN.