A crise climática e o impacto devastador das queimadas no Brasil

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O Brasil enfrenta uma grave crise climática. O aumento de focos de incêndio detectados pelo Programa Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) se aproximou de 80% em outubro de 2024 em relação ao mesmo período de 2023. As regiões da Amazônia e do Cerrado são as mais afetadas pelo fogo.  

Em 2024, até 25 de novembro, foram registrados 261.777 incêndios. Na série histórica desde 1998, há 10 anos não se via registros tão altos. O número de 2024 só perde para os anos de 2010, 2007, 2005, 2004, 2003 e 2002.

Neste ano, a estação de queimadas no Brasil foi a mais severa registrada, superando eventos históricos como o Dia do Fogo de 2019. A pior seca desde 1950 é uma consequência dos eventos climáticos extremos impulsionados pelo aquecimento global, que intensifica a vulnerabilidade ambiental e facilita a propagação das chamas. 

A expansão da fronteira agropecuária, desde a ditadura militar, transformou as queimadas em uma rotina, devastando florestas e ecossistemas em uma escala alarmante.  

De acordo com a Associação de Servidores de Carreira de Especialista em Meio Ambiente de São Paulo e do Paraná (Ascema SP/PR), um dos fatores mais alarmantes em 2024 no contexto do aumento de focos de fogo tem sido a inoperância decorrente do negacionismo ambiental do atual governo, que sabia da possibilidade de uma temporada de fogo difícil, agravada pela intensificação dos fenômenos climáticos ligados ao aquecimento global.  

A Ascema SP/PR também aponta que houve um aumento significativo nos incêndios criminosos, perpetrados por parcela significativa do agronegócio, setor que tem sido beneficiado pela administração federal ano após ano.  

A responsabilidade pelas chamas que invadem o país recai principalmente sobre grandes empresários e latifundiários que promovem desmatamento e agropecuária intensiva, gerando mais de 75% das emissões de gases de efeito estufa no Brasil. Cidades na Amazônia, como São Félix do Xingu e Altamira, enfrentam grandes queimadas associadas à expansão agrícola e à construção de rodovias, que facilitam o desmatamento.  

Os governos brasileiros, desde Fernando Henrique Cardoso até o atual, têm financiado generosamente o agronegócio, exacerbando a crise ambiental. Enquanto o agronegócio recebe bilhões em créditos, a agricultura familiar, que realmente alimenta a população, recebe uma fração ínfima desse valor. Essa política contribui para a destruição de ecossistemas e a intensificação da crise climática no país.

O papel dos órgãos da Área Ambiental no enfrentamento às queimadas

Apesar do desinvestimento e desmonte enfrentado em consecutivos governos, os órgãos ambientais, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o  Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), são cruciais no enfrentamento das queimadas e incêndios florestais no Brasil. 

O Ibama, por exemplo, acumula conhecimento e experiência de cerca de 25 anos de combate aos incêndios florestais, através do seu Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo), o qual se calça em um rol de atividades que são executadas sempre à luz do que há de melhor nos campos da pesquisa e ciência de ponta.

O Prevfogo coordena centenas de brigadistas especializados do Ibama, em conjunto com o ICMBio e o Corpo de Bombeiros Militar, que atuam em brigadas espalhadas por diversos estados e adaptadas aos diferentes tipos de terreno e biomas do país. Essas equipes de pronto-emprego são altamente capacitadas para responder rapidamente a focos de incêndio, garantindo uma ação eficaz e técnica.

Além do combate direto, o Ibama e o ICMBio também realizam um trabalho preventivo robusto. Entre suas ações, destacam-se as queimadas prescritas e controladas, realizadas antes da temporada seca, para preparar os ambientes e reduzir a possibilidade de incêndios descontrolados. Os órgãos atuam, ainda, no monitoramento, resgate e atendimento de animais afetados pelo fogo.

A educação ambiental é outro eixo fundamental, promovida junto às comunidades e populações que vivem nas áreas mais vulneráveis, visando conscientizar e engajar esses grupos na preservação de seus territórios.

Por competência legal, a atuação do Ibama é concentrada em áreas federais, como Terras Indígenas e Territórios Quilombolas, o que limita sua abrangência. No entanto, seu trabalho preventivo e de combate aos incêndios tem impacto significativo na preservação desses territórios, que desempenham papel crucial na manutenção da biodiversidade e na mitigação das mudanças climáticas.

Por tudo isso, enfrentar os desafios das queimadas e incêndios florestais no Brasil passa pelo fortalecimento dos órgãos ambientais. É preciso investir no Ibama e no ICMBio, ampliando sua capacidade de ação e modernizando seus recursos; realizar concursos públicos e valorizar os servidores ambientais, garantindo melhores condições de trabalho e reestruturando a carreira de especialista em meio ambiente. 

Queimadas e poluição ameaçam São Paulo e todo o Brasil

As queimadas têm deixado cidades como São Paulo cobertas por uma densa camada de fumaça, que se mistura com poluentes urbanos provenientes de veículos e obras de construção civil. Esse manto de poluição coloca cidades brasileiras entre as mais poluídas do mundo, afetando a saúde pública e a qualidade de vida. No estado de São Paulo, as recentes queimadas na região metropolitana e em diversos municípios agravam esse quadro.

De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o estado de São Paulo já registrou 434 focos de incêndio em outubro deste ano, até o dia 7, um aumento de 648,3% em relação ao mês de outubro de 2023. Somente no primeiro dia de outubro foram registrados 206 focos. O recorde histórico para o mês de outubro ocorreu em 2020, com 995 focos de incêndio. Além disso, em setembro de 2024, São Paulo atingiu o maior número de incêndios de toda a série histórica monitorada pelo Inpe, somando 8.366 focos até então, sendo agosto o mês mais crítico, com 3.612 registros.

Os focos de incêndio no estado de São Paulo atingiram principalmente municípios como Luís Antônio, Guatapara, Santa Cruz da Esperança e Santo Antônio da Alegria, na região de Ribeirão Preto; Águas da Prata, na região de Campinas; e Ribeirão Corrente, na região de Franca.

O impacto do fogo vai além das áreas queimadas. A fumaça e as partículas de poeira têm efeitos adversos na vida urbana e rural. A crise hídrica é intensificada pela falta de umidade, prejudicando a agricultura e afetando o abastecimento de água. As queimadas liberam grandes quantidades de dióxido de carbono (CO2) e outros gases de efeito estufa, contribuindo para o aquecimento global e intensificando as mudanças climáticas.

As consequências são visíveis em todo o país: o Cerrado e a Amazônia, dois dos biomas mais importantes do Brasil, estão entre os mais impactados. O Cerrado, por exemplo, enfrenta a pior seca em 700 anos, e os incêndios estão destruindo vastas áreas de vegetação, prejudicando a biodiversidade e afetando diretamente as comunidades locais.

A causa das chamas:

1. Inoperância do governo federal: O governo Lula e a ministra Marina Silva foram ineficazes em lidar com os dados climatológicos que alertavam para os riscos do período seco. Além disso, o governo reduziu o orçamento do IBAMA para prevenção e combate aos incêndios florestais.

2. Agronegócio: Uma parte significativa do agronegócio, por motivações econômicas e políticas, causou grandes incêndios em várias regiões do país, seja de maneira organizada ou não.

3. Passividade dos entes federativos (Estados e Municípios): A falta de ação por parte dos governos estaduais e municipais contribuiu para a gravidade dos desastres ambientais.

4. População desinformada ou apática: Mesmo ciente dos riscos dos incêndios florestais, a população ainda não compreende plenamente a importância de enfrentar os desafios das mudanças climáticas de forma coletiva.

5. Descumprimento das leis ambientais e passividade do Judiciário: As leis contra crimes ambientais não são aplicadas com rigor, e a benevolência do Judiciário em relação aos criminosos ambientais (como desmatadores, garimpeiros e traficantes de fauna) agrava a situação, facilitando a degradação dos ecossistemas e a ocorrência de incêndios.

Amazônia, Cerrado e Pantanal

O cenário de devastação ambiental no Brasil é particularmente crítico nesses biomas, que desempenham papeis cruciais no equilíbrio climático global, e estão enfrentando níveis alarmantes de desmatamento e incêndios.

De acordo com os dados do Inpe, do total de focos de incêndio detectados até 13 de outubro de 2024, 49,4% ocorreram na Amazônia. O Cerrado é o segundo bioma mais afetado em números absolutos com 32,1%. O Pantanal, embora tenha registrado 6% do total de focos do país, foi o bioma que observou o maior crescimento de incêndios na comparação com 2023: um crescimento de 1.240%.

Na Amazônia, as queimadas têm sido uma preocupação constante, com focos de incêndio intensificados pela combinação de desmatamento e condições climáticas adversas. A floresta amazônica, conhecida como o “pulmão do mundo” devido à sua capacidade de absorver CO2, está perdendo cada vez mais sua cobertura verde. O desmatamento acelerado, impulsionado principalmente pela expansão da agropecuária e pela exploração ilegal de madeira, tem contribuído para a perda de biodiversidade e para a liberação de grandes quantidades de carbono na atmosfera.

Nove cidades da Amazônia dominam o ranking das maiores queimadas deste ano. Entre elas, São Félix do Xingu (PA), com o maior rebanho bovino do Brasil; Altamira (PA), Apuí (AM), Itaituba (PA) e Labreá (AM), todas cortadas pela rodovia Transamazônica; e Novo Progresso (PA), localizada às margens da BR-163, onde a soja, vinda do norte do Mato Grosso, se expande rapidamente.

Na Amazônia, o desmatamento e as queimadas seguem o traçado das estradas. Foi nesse contexto que Chico Mendes, líder seringueiro, se tornou um ícone internacional ao impedir que o Banco Mundial financiasse a BR-364, um feito que custou sua vida. Seu martírio ajudou a salvar parte da floresta, mas os desafios para sua preservação permanecem e se intensificam.

O Cerrado, por sua vez, tem sido o bioma mais desmatado neste ano de 2024. O bioma enfrenta um aumento dramático no número de queimadas em relação ao ano anterior. 

A seca, a pior em 700 anos, e o desmatamento são os principais fatores, exacerbados pela expansão do agronegócio, especialmente porque a monocultura leva ao assoreamento de rios e impacta áreas de recarga hídrica. 

Somente entre janeiro e agosto de 2024, 4 milhões de hectares de vegetação, majoritariamente nativa, foram queimados, um aumento de 85% em relação ao ano passado. Os incêndios também estão diretamente relacionados ao desmatamento, que é provocado pela expansão do agronegócio. 

O desmatamento, que também foi mais intenso no Cerrado (61%) do que na Amazônia (25%) no ano passado, contribui para que o fogo se alastre rapidamente, mesmo que de origem acidental. As queimadas são utilizadas como técnica de limpeza de áreas para pastagem e plantio. 

A área desmatada em terras indígenas e quilombolas também aumentou significativamente. A seca, juntamente com os incêndios, prejudica ainda mais a permanência das comunidades que são guardiãs desse bioma, da floresta, das sementes, da biodiversidade que existe somente no Cerrado.

Este bioma é crucial para a manutenção dos recursos hídricos e para o controle do clima regional. A expansão da agropecuária tem sido um dos principais motores do desmatamento, com a utilização de fogo para limpar áreas para pastagem e cultivo.

O Pantanal, conhecido por sua rica biodiversidade e ecossistemas únicos, também está em chamas. As queimadas no Pantanal têm devastado vastas áreas de vegetação e afetado a fauna local. O aumento das temperaturas e a falta de chuvas têm exacerbado a situação, tornando o Pantanal um dos ecossistemas mais vulneráveis às mudanças climáticas.

Esses biomas, que são vitais para o equilíbrio climático global, estão sendo destruídos a um ritmo alarmante. As consequências dessas queimadas são sentidas não apenas nas regiões afetadas, mas em todo o planeta, com impactos sobre o clima, a biodiversidade e as comunidades locais.

O papel do agronegócio na destruição do planeta

O agronegócio tem sido um dos maiores agentes da destruição ambiental no Brasil. O setor é responsável por mais de 97% do desmatamento no país, o que contribui significativamente para a crise climática e ambiental.

O desmatamento para a expansão das áreas de cultivo e pastagem tem sido uma prática comum, especialmente na Amazônia e no Cerrado. As grandes propriedades rurais e a monocultura promovida pelo agronegócio têm causado a perda acelerada de vegetação nativa. As queimadas são frequentemente usadas para limpar a terra, contribuindo para a liberação de grandes quantidades de gases de efeito estufa e agravando as mudanças climáticas.

Os impactos do agronegócio vão além do desmatamento. A expansão das áreas de cultivo e pastagem também afeta a qualidade do solo e da água. A monocultura e a utilização de produtos químicos têm contribuído para a degradação dos solos e a poluição das fontes de água. Além disso, o modelo de produção agropecuária intensiva tem levado ao assoreamento de rios e ao comprometimento das áreas de recarga hídrica.

O governo brasileiro tem financiado generosamente o agronegócio por meio de créditos públicos e subsídios. Esses incentivos têm contribuído para a expansão descontrolada do setor, às custas do meio ambiente. A recente liberação de mais de R$ 400 bilhões para o agronegócio no Plano Safra, em contraste com os apenas R$ 70 bilhões destinados à agricultura familiar, exemplifica a priorização de interesses econômicos em detrimento da sustentabilidade ambiental.

A urgência da superação do atual modelo econômico

A crise climática exige ações imediatas e profundas para evitar um colapso ambiental, e isso passa diretamente pela superação do modelo econômico atual. A dependência do agronegócio e das indústrias fósseis não apenas agrava a situação, como também perpetua a desigualdade, fazendo da população pobre e trabalhadora a principal vítima. 

Para enfrentar a barbárie climática, é necessário reverter o uso das terras em favor da agroecologia,preservar os territórios indígenas e quilombolas, suspender a exploração de combustíveis fósseis e investir em fontes de energia renováveis. A transformação para uma sociedade mais justa e sustentável depende de uma economia que priorize o bem-estar das pessoas e o equilíbrio ambiental em vez do lucro.

É urgente uma profunda reforma nas políticas ambientais do país. Segundo a Associação de Servidores de Carreira de Especialista em Meio Ambiente de São Paulo e do Paraná (Ascema SP/PR), a solução passa por transformar as políticas ambientais em políticas de Estado, permanentes e livres dos interesses dos grupos políticos que se alternam no poder. O desenvolvimento sustentável deve ser incorporado como uma prioridade em todas as esferas de poder e ministérios, sem ser tratado como uma bandeira política passageira.

O mesmo governo que afirma ter a questão ambiental como uma das suas mais fortes bandeiras não pode continuar tratando os órgãos ambientais federais como o “quintal dos seus correligionários”, colocando em muitos dos postos-chave dessas instituições pessoas sem qualquer capacidade e experiência no tema ambiental, a exemplo do que tem acontecido nas superintendências do Ibama Brasil afora. Isso enfraquece a capacidade do país de responder aos desafios da crise climática, perpetuando um sistema ineficaz que coloca em risco o futuro ambiental e social do Brasil.

A superação desses obstáculos é essencial para a construção de um sistema econômico e ambiental verdadeiramente sustentável. Apenas com uma política ambiental sólida, que valorize a ciência e a experiência técnica, será possível enfrentar a “barbárie climática” e construir um futuro onde o equilíbrio entre desenvolvimento e preservação seja uma realidade.

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