São Paulo, principal unidade da federação, terá postos fechados e redução de fiscais
A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) está passando por uma reestruturação que pode culminar num apagão na fiscalização de transportes em vários estados brasileiros. O governo federal pretende fechar algumas unidades regionais, como no Rio Grande do Sul e Maranhão, e abrir novas unidades no Paraná, Mato Grosso e Goiás. [Clique aqui para baixar o boletim em PDF]
A reestruturação da ANTT vai diminuir o poder da unidade regional de São Paulo, que irá perder a abrangência sobre o Paraná e o Mato Grosso do Sul. Na coordenação, inúmeros postos de trabalho serão extintos e passarão a ser diretamente subordinados à Brasília.
Os servidores que não aceitarem a remoção de ofício para a capital federal serão postos em teletrabalho. Mesmo que tenham estabilidade de vínculo empregatício, vão perder a estabilidade de lotação, porque deverão se apresentar em Brasília presencialmente, caso o gestor das suas metas, por qualquer motivo ou mesmo um capricho, decida pela suspensão da modalidade de teletrabalho.
Ainda em São Paulo, serão fechados todos os postos de pesagem veicular e balanças ao longo das rodovias Presidente Dutra, Régis Bittencourt e Fernão Dias e de fiscalização dos ônibus de longa distância em estação rodoviária; e não haverá mais fiscal lotado em Santos (o porto mais movimentado da federação), São José dos Campos, Campinas, Ourinhos e Presidente Prudente. Os postos de São José do Rio Preto, Ribeirão Preto (anunciaram o fechamento e voltaram atrás) e da capital são os únicos postos que vão fiscalizar ônibus de passageiros. Serão criados dois postos de fiscalização de ferrovia: em Bauru e Campinas, onde será fechado o posto da rodoviária. O posto de rodovia de Registro (BR-116) será também fechado.
Haverá apenas uma operação remota por vídeo monitoramento realizada por prepostos das concessionárias de rodovia, que não possuem vínculo com o serviço público. O fiscal vai receber esse material (fotos da balança e do pedágio) mas não vai conseguir abordar in loco, nem vistoriar um ônibus, um caminhão ou uma carreta irregular.
A agência tem só 773 servidores, frente aos 1705 previstos em Lei, um déficit de 55% no quadro. A fiscalização remota com metas exponencias em teletrabalho veio para sobrecarregar os servidores atuais e até os futuros, visto que no pedido de concurso público previu-se 362 novos postos de trabalho, diante dos 932 vagos. Em 2022 há 17.112,4 km de rodovias concedidas. Estima-se que em 2025 haja 36.906,6 km.
Para realizar as mudanças, a diretoria da agência, seguindo as diretrizes do governo Bolsonaro, está ignorando anos de estudos produzidos pelas universidades brasileiras com relação aos vetores logísticos, à malha de transporte existente, origem e produção de bens, deslocamento de pessoas e polos atrativos.
O Plano Setorial de Transportes Terrestres (PSTT – Fase 2) do Ministério da Infraestrutura, a ser concluído até o final de 2022 ainda não elencou a relação e classificação das infraestruturas rodoviárias e ferroviárias conforme a prioridade para o atendimento das políticas de transporte de bens e pessoas. Isso não impediu os três diretores da ANTT (seriam cinco, mas dois cargos estão vagos) de aprovarem a toque de caixa (um mês) uma total reestruturação que afetará centenas de servidores.
CORRUPÇÃO
Um exemplo nessa perspectiva foi o grande esquema de corrupção fomentado pela concessão de todas as rodovias federais do Paraná para empresas privadas por 24 anos, cujos contratos se encerraram em novembro de 2021. Os pagamentos de propinas durante anos e contratos com aditivos vantajosos (eliminação de obras, por exemplo) contribuíram para a manutenção de preços altos nos pedágios. Ainda hoje há acordos na justiça para as concessionárias devolverem o dinheiro cobrados nas estradas. Mesmo assim, a ANTT enviou o projeto da nova concessão ao Tribunal de Contas da União (TCU). O leilão está previsto para o segundo trimestre de 2022. A nova concessão vai ocorrer antes de uma definição acerca da força de trabalho para as rodovias. Não houve concurso para atender a enorme necessidade de serviço na área.
RECOLONIZAÇÃO
Hoje, não é novidade que Bolsonaro defende o agronegócio, uma das alas que sustenta o seu governo e é fundamental para sua reeleição. Neste contexto, vale observar que trechos de rodovias das novas unidades da ANTT passam por polos importantes para escoar a produção de grãos e carnes. Segundo o IBGE, dos 50 municípios com maior valor da produção agrícola do Brasil, 22 municípios encontram-se no Mato Grosso e 6 em Goiás. Já o Paraná, lidera a produção avícola do país, ocupa o 2º lugar na suinocultura e está entre os 10 maiores produtores brasileiros de carne bovina.
É evidente que essa reestruturação não está isolada da política do governo de Jair Bolsonaro. Se depender dele, a ANTT, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) não terão matéria para regular.
A desregulação total dos setores de transporte terrestre, aéreo e aquaviário, prevista nas resoluções do conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) foi sinalizada pelo presidente Bolsonaro. O objetivo é abrir o setor de transporte não apenas para a iniciativa privada, como para toda e qualquer companhia estrangeira.
Essa desregulação se evidencia quando Bolsonaro recebe, fora de sua agenda, representantes da plataforma Buser, no Palácio do Planalto. A Buser representa a “Uberização” do transporte rodoviário de longa distância, onde prevalece a liberdade tarifária. Não haverá mais diferença entre fretamento e linha. O fretamento não precisará cumprir com as gratuidades obrigatórias por lei, como para idosos, pessoas com deficiência, jovens de baixa renda e crianças.
Uma prova concreta que a ANTT realmente está seguindo a política de desregulamentação, defendida por Bolsonaro e legitimada pelo conselho do PPI, foi a edição da súmula nº 11 de 2022 pela diretoria colegiada que, na prática, impede a agência de aplicar a resolução nº 4287 para apreensão dos veículos de quem faz transporte clandestino. Liberou geral.
CAMINHONEIROS PREJUDICADOS
Outra medida prejudicial à fiscalização de transportes terrestres rodoviários foi a desativação do Canal Verde Brasil. Tratava-se de uma iniciativa de fiscalização eletrônica da ANTT, usado pelo SISBIN (Sistema Brasileiro de Inteligência), que conseguia, em tempo real, acompanhar rotas e deslocamento do transporte de cargas e passageiros do Brasil, com mais de 60 pontos de fiscalização espalhados pelo país e até mesmo integração de dados fiscais com as fazendas estaduais (o fisco). A fiscalização do Vale-Pedágio Obrigatório e do Piso Mínimo de Frete, que já era deficiente, foi duramente afetada.
As ferrovias também estão sofrendo com a desregulamentação. A partir do novo marco do transporte ferroviário, as concessões das rodovias não são mais públicas, mas sim em forma de autorização a toque de caixa. Com autorização, não há pagamento de reversão para a modicidade tarifária, taxa de fiscalização e uso do terreno público, porque se trata de título precário, sem cumprimento de metas também. Podem haver várias concessões ferroviárias paralelas e competir pelas cargas, o que vai torna-las inviáveis economicamente. O que prevê o novo marco regulatório é a autorregulação do mercado.
A reestruturação da ANTT, tendo como destaque o esvaziamento de seu papel, e a desregulação dos transportes pelo Estado para regulação a partir dos interesses do mercado, fazem parte de uma política de governo ultraliberal. Isso é parte de um projeto de recolonização do Brasil, tendo como bases as privatizações e o favorecimento do agronegócio. É preciso pôr para fora Bolsonaro e Mourão, mas, acima de tudo, é preciso lutar por um outro projeto em que os serviços públicos sejam prioridade.